segunda-feira, 5 de maio de 2014

O PILOTO QUE VOOU PARA O CÉU ETERNO

Era o ano de 1972, no mês de julho, no período mais duro da ditatura militar. Era o tempo das prisões arbitrárias de leigos e de religiosos, tempo de torturas e de desaparecimentos de estudantes, de trabalhadores e de políticos da oposição. Eu tinha chegado ha poucos dias da Itália como missionário católico para a Paróquia de Bela Vista de Goiás. Ainda não falava direito o português, mas, entusiasmado pela missão, estava decidido a combater a ditatura militar e lutar pela libertação e os direitos dos pobres e dos perseguidos, em nome de Cristo.  Em torno da meia noite, eu estava já deitado, sozinho, na casa paroquial,  e alguém bateu com força na porta. Na hora fiquei preocupado: será que a polícia já vai me prender? Perguntei: quem é?  “Sou eu, dom Tomás, tive que descer por causa de uma emergência com o meu aviozinho e preciso ligar para Goiânia”. Era uma voz amiga e fiquei aliviado. Eu nunca tinha encontrado dom Tomás, mas ele não era pra mim desconhecido, porque na preparação  que fiz na Itália para vir ao Brasil, vários daqueles padres que nos davam aula de português ou de história e geografia, tinham trabalhado com ele na diocese de Goiás velho e conheciam muito bem as qualidades extraordinárias deste bispo comprometido com camponeses e índios e com os caminhos abertos pelo Concílio Vaticano Segundo de papa João XXIII. O avião  tinha sido um presente de uma diocese italiana que queria ajudar os contínuos deslocamentos pastorais de dom Tomás, sobretudo na Amazônia, para defender os índios contra os donos das armas, dos latifúndios e do poder. Eu conheci depois, mais profundamente, dom Tomás, um bispo humilde mas corajoso e sempre pronto a servir o povo e a igreja do povo, com a qual, mesmo aposentado, esteve ligado até o fim. Contam aqueles que estavam presentes nas ultima horas de sua vida ( morreu no dia 02 de Maio 2014 aos 91 anos de idade) que ele queria ter alta logo para poder participar da Assembleia dos Bispos do Brasil em Aparecida do Norte. Conforme a profecia que dizia que Jesus seria um sinal de contradição, dom Tomás também incomodava uma porção de gente pelas suas posições no campo social e no campo eclesial e este é um bom sinal. Papa Francisco falou assim uma vez: “ eu quero cristãos que incomodam “. O papa falando em  italiano  usou as palavras “ dar fastídio” que é muito mais do que “incomodar”. Aqui em Goiânia, pessoas de igreja, que hoje custam a digerir as diretrizes renovadoras de papa Francisco, criticavam dom Tomás. Uma  porção de pessoas da sociedade também criticavam dom Tomás (e criticam até hoje na internet), mesmo sabendo que Goiânia é campeã no Brasil na desigualdade social e que os latifundiários  impedem uma reforma agrária justa e igualitária, pelas sua posições de defesa dos direitos dos índios e dos sem terra.  Por isso eu quero assegurar o valoroso piloto que foi para o céu de Deus, que nós, aqui na terra, continuaremos a ”incomodar” a Igreja e a sociedade em vista do Reino de Deus.sergiobernardoni@gmail.com